Ensaio - Cuba

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO AS 09h00min HORAS DA MANHÃ DO DIA 16 DE OUTUBRO DE 1962?

Pessoalmente posso dizer que eu deveria estar em alguma sala de aulas do Hospital das Clínicas de Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná em Curitiba, com o pensamento voltado para as férias escolares que já se avizinhavam.
            Assim como eu, toda a população do Brasil e, quiçá, do mundo todo, nunca poderia imaginar que naquele exato momento o Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, chamava o seu irmão  Robert Kennedy que, além de ser senador, havia sido nomeado Chefe da Promotoria Publica, para uma reunião em caráter de urgência na Casa Branca.
            A razão desta reunião, como depois se ficou sabendo, poderia ter consequências tão graves que seriam capazes de levar à destruição do mundo por uma guerra nuclear; este episódio ficou conhecido como a crise dos mísseis cubanos.
            Olhando à distância, sinto que no verdor da minha juventude, não tinha como aquilatar o real perigo que a humanidade estava correndo naqueles conturbados dias (16 a 28 de outubro de 1962); recentemente tive acesso (sebo em Nova York) ao livro escrito por Robert Kennedy e publicado em 1969, após a sua morte: “Thirteen days - A memoir of the Cuban missile crisis - Treze dias, memórias da crise dos mísseis Cubanos”, cuja leitura, tenho o prazer de compartilhar com meus leitores.
            Trata-se de um relato substancioso sobre o dia-a-dia daqueles acontecimentos, contado por um dos personagens que foi coadjuvante; peço permissão para tentar resumir os relatos, incluindo, quando achar conveniente, minhas próprias observações, as vividas naquela época e as que acumulei durante este interregno de tempo até os dias atuais, pela leitura de livros e jornais que tive e continuo manuseando.
            Não estou certo se poderei transmitir aos leitores, principalmente aos mais jovens, toda a emoção que a nossa geração sentiu durante aqueles tormentosos dias; o clima era de incerteza quanto ao futuro da humanidade, se levarmos em consideração o ambiente de “guerra fria” existente entre os Estados Unidos e a União Soviética naquela época, com as duas potências apresentando capacidade de destruição jamais imaginada, tendo em vista os seus respectivos armazenamentos de arsenais atômicos.
            Estes dados tornam-se mais horripilantes quando sabemos que o poder de destruição de uma bomba atômica é calculado em kiloton (um kiloton equivale a 1.000 toneladas de TNT) e uma bomba de hidrogênio é calculada em megatons (um megaton equivale 1.000 kilotons, ou, um milhão de toneladas de TNT) e que os Estados Unidos e a União Soviética possuíam, por esta época, mais de 30.000 bombas nucleares armazenadas em seus respectivos países.
            Naquela reunião o Presidente Kennedy informou ao seu irmão Robert que por intermédio de fotografias que foram feitas pelos aviões espiões de reconhecimento, denominados U-2 (capazes de voarem em altas altitudes), a comunidade de inteligência do governo estava convencida de que a Rússia teria colocado mísseis e artefatos atômicos em Cuba; duas horas depois, agora com a presença do alto escalão do governo, a CIA (Agência Central de Inteligência) fez uma formal apresentação do que estava ocorrendo, mostrando as fotografias das bases de mísseis, construídas na região de San Cristobal, na ilha de Cuba.
Como não poderia deixar de ser, o clima foi de enorme surpresa, pois, ninguém naquela sala, como diz Robert, seria capaz de imaginar que os russos seriam capazes de colocar mísseis de superfície em Cuba, ainda mais que ele, Robert, havia se encontrado algumas semanas antes com o embaixador soviético Anatoly Dobrynin que, por sinal, havia marcado o encontro para dizer aos americanos que a Rússia estava preparada para assinar um tratado de banimento de testes atômicos na atmosfera, se os Estados Unidos concordassem em um acordo para testes subterrâneos.
Naquele mesmo encontro, segundo ainda Robert, foi dito ao embaixador soviético que os Estados Unidos estavam insatisfeitos com o continuo envio de equipamentos militares soviéticos para Cuba e este lhe deu garantia, em nome do primeiro ministro Nikita Khrushchev, de que não havia mísseis terra-terra ou qualquer outro equipamento ofensivo em Cuba e que as construções militares que estavam sendo construídas, não tinham nenhuma significância, pois eram somente para defesa da própria Ilha e que Khrushchev não faria nenhum movimento para complicar a relação entre os dois países neste período que antecede as eleições legislativas americanas, pois, ele não desejava complicações políticas para o Presidente Kennedy.
Uma semana depois deste encontro, dia 11 de setembro, Moscou negou publicamente qualquer intenção de enviar mísseis, principalmente com cargas nucleares, para qualquer país fora da União Soviética, incluindo Cuba; logo em seguida, um importante personagem da Embaixada Soviética, retornando de Moscou, entregou ao Presidente Kennedy, por intermédio de Robert Kennedy, uma mensagem pessoal de Khrushchev afirmando que, sob nenhuma circunstância, serão enviados mísseis terra-terra para Cuba.
Era tudo mentira; os Russos, como provavam as fotografias, estavam colocando mísseis em Cuba e começavam a construção de plataformas de lançamentos enquanto, publicamente, davam garantias de que não estavam fazendo.
Na próxima semana iremos procurar entender como o serviço de inteligência dos Estados Unidos foi ludibriado pelos russos. .

OS MÍSSEIS EM CUBA E A POSSÍVEL GUERRA NUCLEAR (II)


Enquanto os Soviéticos continuavam afirmando que não haviam levado mísseis para a Ilha de Cuba, os americanos não tinham dúvidas de que eles estavam mentindo, pois, as fotografias que foram feitas desde os seus aviões espiões denominados U2 lhes davam esta certeza, inclusive da presença de ogivas atômicas nos mesmos.
            O clima daquela primeira reunião realizada na Casa Branca (16 de outubro de 1962 pela manhã), do Presidente Kennedy com o alto escalão do seu governo, além de ser de incredulidade por terem sido enganados por Krushchev, era, também, de mal estar, pois, perceberam que fizeram papel de ingênuos.
            Foi lembrado naquela ocasião que, em nenhuma oportunidade, o Presidente foi alertado pelos seus órgãos de segurança de que as construções militares que a Rússia estava edificando em Cuba poderiam incluir os mísseis que foram fotografados pelos aviões U2, apesar das suas preocupações e constantes questionamentos à comunidade de Inteligência do governo a este respeito; pelo contrário, foram-lhe transmitidos relatórios a respeito da situação em Cuba e no Caribe onde afirmavam, com segurança, que a Rússia não estava fornecendo armas estratégicas e ofensivas para Cuba, uma vez que no passado os Soviéticos jamais tomaram semelhante atitude em algum dos seus países satélites, pois tinham preocupação com uma possível retaliação dos Estados Unidos.
            Alguns anos depois daquela crise, vieram à tona alguns documentos comprometedores para a Comunidade de Inteligência do governo americano; estavam tão confiantes na sua própria capacidade que não quiseram dar ouvidos  a pelo menos, dois dos seus informantes: um ex-funcionário do Hotel Hilton em Havana que lhes relatou a instalação de mísseis na região de San Cristobal e um outro que ouviu o piloto de Fidel Castro contando bravatas a respeito dos mísseis nucleares que estavam sendo instalados em Cuba pelos Russos.
            Embora pareça ser repetitivo para os leitores que conhecem a história, acredito que será interessante, pelo menos para os mais jovens, fazermos uma sumária recapitulação a respeito da “guerra fria” existente naquela época entre a Rússia e os Estados Unidos e que culminou na “crise dos mísseis em Cuba”.
            Preciso voltar um pouco mais no tempo para entendermos a razão desta expressão; após o término da II guerra mundial ficou acordado entre os aliados que Berlin seria ocupada pela Rússia; em junho de 1948 os soviéticos impuseram um bloqueio na cidade, impedindo a circulação de tráfico ferroviário e rodoviário vindo do ocidente; o Presidente Truman ordenou, então, que aviões “jogassem” alimentos para os habitantes da cidade bloqueada e Berlin passou a ser um símbolo da determinação americana em proteger qualquer nação européia frente à força soviética.
            Em 1949 foi assinado o Tratado do Atlântico Norte (NATO), cujo principio era o da defesa mútua, e,  um ataque a qualquer dos signatários (Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e vários outros países europeus) seria considerado um ataque aos Estados Unidos; era mais um episódio da “guerra fria”, termo popularizado desde 1946 por Walter Lippman, famoso  jornalista norteamericano, cujos contendores, segundo Winston Churchill, estariam separados por uma “cortina de ferro” ; logo em seguida, a Rússia surpreende o ocidente, testando a sua primeira bomba atômica, mostrando com isto que Stalin, ao invés de tratar de reparar os estragos causados pela guerra ao seu país, estava investindo na modernização das suas forças armadas.
            Em junho de 1950 teve inicio a guerra da Coréia, com os soviéticos apoiando os norte coreanos; os americanos entenderam esta movimentação como uma sinalização de que poderia acontecer, caso não fosse mostrado determinação, uma tentativa, no futuro, de uma similar ofensiva em Berlin; Truman enviou, imediatamente, grande força militar e no final daquele ano os norte coreanos estavam batidos e um armistício foi celebrado; saíram os Russos, entraram os chineses no apoio aos comunistas da Coréia do Norte, obrigando os americanos a aceitarem a divisão das duas Coréias na linha divisória existente antes do conflito.
            Após a guerra da Coréia os militares passaram a ter voz nas decisões de política externa americana com a criação, pelo congresso, do “Conselho de Segurança Nacional”; o poder deste conselho só foi contido, em parte, na administração do Presidente Eisenhower que, além de ser general de cinco estrelas do exército, era considerado herói da segunda guerra mundial; durante a crise dos mísseis em Cuba o Presidente Kennedy fez apenas uma reunião formal com este conselho.
            O episódio dos mísseis seria, como veremos na próxima semana, a movimentação de mais uma peça do intricado jogo de xadrez da “guerra fria”.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

OS MÍSSEIS NUCLEARES EM CUBA E O TEMOR DE UMA GUERRA

Como foi salientado no artigo anterior, os meses de setembro e outubro de 1962 estavam contaminados pelo clima das eleições legislativas nos Estados Unidos, pela efervescência da “guerra fria” e, também, porque os políticos do partido republicano aproveitavam para fazer carga sobre o presidente Kennedy, alarmando a população para o fato, segundo diziam, que os “Estados Unidos não estavam levando a sério o seu sistema de segurança”, com sugestões de alguns oposicionistas para que se procedesse à invasão de Cuba, tendo em vista a presença dos soviéticos no continente americano.
Pouco tempo antes destes acontecimentos (1959), um filme (“On the beach”, com versão brasileira com o título “A hora final”) estrelado por Gregory Peck no papel de um comandante de submarino nuclear americano, além de Ava Gardner e Fred Astaire, chamava a atenção e atemorizava a população americana e, porque não dizer, do mundo todo; lembro-me que vi o filme no inicio de 1960 em um dos cinemas de Curitiba, na companhia de dois colegas universitários e, após a sessão, resolvemos “enfrentar” várias rodadas de chopes, para aliviar a sensação de angústia que sentimos, principalmente porque nem a cena final do filme trouxe alivio para a platéia; pelo contrário, deixava a sensação de que tudo aquilo poderia ser verdade.
Filme carregado de emoção, relatava alguns episódios de uma possível III guerra mundial, quando alguém resolve acionar o “botão” e iniciar um conflito nuclear que devastou todo o hemisfério norte e a nuvem radioativa se encaminhava para o hemisfério Sul; o único lugar ainda habitável era a Austrália, porém, sua população tinha consciência do que estava ocorrendo e se perfilava para receber pílulas letais para cometerem suicídios em massa; Peck volta com seu submarino para a Califórnia e lá encontra a mesma cena catastrófica.
O Presidente Kennedy precisava fazer uma aparição na televisão para dar conhecimento ao povo americano sobre acontecimentos em Cuba, antes que as noticias “vazassem” para a imprensa e provocassem insegurança e, até mesmo, pânico, porém, antes de fazê-lo ele precisava, também, explanar qual a estratégia que seria seguida diante de fato tão perturbador para a paz, não só para os EE. UU. como para o mundo todo.  
A partir daquele primeiro encontro entre o Presidente Kennedy e seu irmão Robert, formou-se um comitê executivo do Conselho de Segurança Nacional, composto por cerca de vinte pessoas, incluindo dentre estas, além do Presidente e do seu irmão Robert, o secretário de Estado Dean Rusk, da defesa Robert McNamara, o diretor da CIA, o chefe do estado maior das forças armadas, o General Maxwel Taylor e o vice Presidente Lyndon Johnson; é de salientar que todas as discussões, a partir da primeira reunião, foram gravadas pelo Presidente Kennedy, sem que nenhum participante tivesse conhecimento que isto estava acontecendo.
Acho pertinente abrir um parêntese e narrar para meus leitores o que é descrito a respeito destas gravações, um dos segredos mais bem guardados da história americana, pois, além de Robert Kennedy, apenas a secretária do Presidente, senhora Evelyn Lincoln e mais dois agentes do serviço secreto americano sabiam da sua existência; após o assassinato de Kennedy, ela e os dois agentes removeram, antes que Johnson tomasse posse, toda aquela aparelhagem assim como as fitas gravadas, mantendo-as sob sua guarda.
Em julho de 1973, durante as investigações do senado sobre o escândalo “Watergate” que envolveu o Presidente Nixon, descobriu-se que a Casa Branca possuía este sofisticado sistema de gravação e, por ilação, surgiram rumores de que poderia haver similares em outras prévias administrações e então o senador Kennedy se viu na obrigação de confirmar a sua existência e prometeu enviá-las para o Arquivo Nacional; em 1997, graças ao auxilio da Harvard University, foi impresso o livro “The Kennedy Tapes” editado por Ernest May e Philip Zelikow, com a transcrição de todas as discussões ocorridas durante aquelas reuniões; são mais de seiscentas páginas, as quais tenho consultado à procura de subsídios para a redação destes textos.
O comitê executivo do Conselho de Segurança Nacional reunia-se todos os dias e em tempo integral na “Casa Branca”, praticamente sem intervalos, na busca de opções estratégicas e possíveis recomendações a serem encaminhadas ao Presidente a quem caberia, como realmente aconteceu, escolher o caminho a ser seguido; no inicio foram colocadas para discussões uma variada gama de opiniões, algumas sugerindo não tomar nenhuma atitude, pois, a presença dos mísseis não deveria alterar o balanço das forças e outras, mais agressivas, fazendo opção por um ataque aéreo contra os mísseis.
As recomendações conclusivas deste comitê, bem como as intensas discussões surgidas entre os seus componentes e, o mais importante, a decisão final tomada pelo Presidente Kennedy, serão discutidas na próxima semana.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

ATACAR CUBA OU FAZER BLOQUEIO DE ACESSO À ILHA?

O Comitê executivo do Conselho de Segurança Nacional se reunia, como afirmamos na semana passada, todos os dias e, praticamente, em tempo integral; faziam parte deste seleto grupo de pessoas, homens inteligentes, corajosos e, principalmente, com grande dedicação ao seu país, como afirma Robert Kennedy no seu livro “Thirteen days - Cuban missile crisis” e que me tem servido para consulta para estes artigos.
            O sentimento generalizado era de que seria necessária alguma forma de reação aos fatos que foram detectados;  os Estados Unidos não poderiam aceitar o que a Rússia havia feito, porém, o que fazer era a dificuldade, pois, um movimento em falso poderia desencadear, possivelmente, um conflito nuclear.
            O Presidente Kennedy decidiu, para não ser o centro polarizador  das atenções e não inibir as discussões, não participar de todas as reuniões do comitê; ele solicitou ao grupo que lhe trouxesse as possíveis alternativas de ação para facilitar sua final decisão; após dois dias de discussões, duas idéias dividiam o grupo: promover o bloqueio naval e aéreo de Cuba ou um ataque militar contra a ilha.
            O ataque militar ganhou força com a posição do General Le May, comandante em chefe da força aérea americana, francamente favorável a esta posição; o Presidente o questionou – os russos não reagirão? Destruiremos seus mísseis, mataremos muitos russos que lá se encontram e eles não farão nada? Se eles não tiverem nenhuma ação em Cuba, garanto que moverão algumas outras peças do xadrez em Berlim, numa referência à construção, perpetrada pelos soviéticos em agosto daquele ano de 1961, de uma cerca de arame farpado e, depois, de um muro, separando a parte oriental da ocidental da cidade de Berlim, como sabemos, somente derrubado 28 anos depois.
            Não se precisa dizer que o ambiente era de grande tensão durante estas discussões;  felizmente o Presidente Kennedy, de vez em quando apelava para o humor para desanuviar os ânimos; uma destas ocasiões vale a pena ser lembrada – o General Shoup, comandante da marinha, resumindo o pensamento de todos, disse ao Presidente: - O senhor está em grande apuro, senhor Presidente!  Kennedy respondeu sem fitá-lo e provocando risadas no grupo: O senhor está no mesmo barco que eu!
            Kennedy havia aprendido uma lição com a fracassada invasão de Cuba na Baia dos Porcos em abril de 1961; naquele episódio ele havia se cercado de muitos poucos conselheiros para ajudá-lo a tomar aquela decisão, como lhe foi cobrado por Eisenhower, antes de dar-lhe o apoio público por ele agora solicitado; daí a razão dele insistir em provocar tantas discussões e por tantos dias, com o grupo da comissão.
            Após três dias de reuniões, paulatinamente, a idéia de se promover o bloqueio de acesso a Cuba passou a ser majoritária, principalmente após uma forte intervenção de Robert Kennedy afirmando, dentre outras coisas: “A tradição e a história da América não permitem que pratiquemos um ataque contra uma nação tão pequena; nossa herança e nossos ideais não podem ser destruídos”; nesta mesma reunião o Ministro da defesa, Mc Namara, embora fosse favorável ao bloqueio, apresentou, se a decisão fosse pelo ataque, os planos para este desiderato; inicialmente com quinhentos ataques aéreos, tendo como alvo as guarnições militares, incluindo aí os mísseis, campos de pouso, portos e as defesas antiaéreas da Ilha.
            No meio de todas estas discussões, o ministro das relações exteriores da URSS, Andrei Gromyko, marcou entrevista com o Presidente Kennedy; como os Russos não sabiam que os americanos tinham conhecimento da presença dos mísseis em Cuba, optou-se por recebê-lo, para que os mesmos não desconfiassem e também, para ouvi-lo; Gromyko diz que os americanos deveriam parar de acossar a Ilha de Cuba, pois os cubanos desejavam, simplesmente, a coexistência pacífica com os EEUU e não estava interessada em exportar suas idéias para a América Latina; Kruschev pede para dizer-lhe que a única assistência que estão dando a Cuba é para a agricultura, além de pequena quantidade de armas defensivas.
            Diz Robert Kennedy que o Presidente ficou atônito, porém, admirou o sangue frio de Gromyko e afirmou-lhe categoricamente: “Haverá sérias consequências se a União Soviética resolver colocar mísseis ou artefatos ofensivos em Cuba”.
            Finalmente, na 5ª. feira à noite, dia 18 de outubro, embora ainda não fosse consenso, a maioria dos membros do comitê opinava para se fazer o bloqueio da Ilha e imediatamente se dirigiram à Casa Branca e fizeram a explanação ao Presidente sobre esta conclusão; porém, nesta reunião as discussões reiniciaram e tudo voltou à estaca zero. Como foi resolvida a questão? Na próxima semana voltaremos a discutir o assunto.  

MÍSSEIS EM CUBA – A HORA DA DECISÃO

Quando se imaginava que o comitê de segurança nacional encaminhava-se para um consenso de opiniões no sentido de se recomendar ao Presidente Kennedy que se adotasse o bloqueio da ilha de Cuba para o tráfico, tanto por via aérea como, principalmente, pela marítima, os dez elementos que foram encarregados de levar-lhe esta recomendação naquela noite de 5ª. feira, 18 de outubro, reiniciaram, sob instigação e questionamentos pontuais do Presidente, novas discussões que se prolongaram por toda a noite.
Se levarmos em consideração a responsabilidade colocada nos ombros destes homens que, em última instância, estavam decidindo sobre o futuro da humanidade, se a recomendação que fariam ao Presidente não fosse a mais adequada e se este a aceitasse poderia causar a destruição da raça humana.
Finalmente, no sábado à noite (20/10), o Presidente convocou os membros do Conselho de Segurança Nacional e informou-lhes que havia tomado a decisão de provocar o bloqueio aéreo e marítimo de Cuba; antes de ser anunciada esta decisão, o Conselho ouviu, abismado e com revolta (sob o ponto de vista logístico de guerra fria), a sugestão apresentada por Adlai Stevenson, embaixador dos Estados Unidos junto a ONU:  “Os EE UU proporiam à União Soviética a retirada dos seus mísseis da Turquia e Itália, além de entregarem de volta aos cubanos  a base de Guantâmano, se , em troca ela  retirasse os mísseis da ilha”.
Decidiu-se, também, que o Presidente deveria ocupar uma cadeia de televisão na segunda feira, dia 21/10, no inicio da noite, para um pronunciamento à nação; todos os aliados foram informados, oficialmente, sobre os acontecimentos e já naquele dia começaram a “vazar” para a imprensa algumas noticias sobre uma suposta “crise em Cuba”; foi convocada uma reunião de emergência na OEA (Organização dos Estados Americanos) e este organismo apoiou, por unanimidade, a posição americana.
Kennedy pediu ajuda a Dean Acheson, que foi secretário de estado no governo Truman em 1950, ano considerado simbólico para a “guerra fria”, para expor e mostrar as fotos aos aliados: França (Charles de Gaule), Alemanha (Konrad Adenauer) e Inglaterra (Harold Macmillan) sobre o perigo iminente e dizer-lhes das providências que seriam tomadas nas próximas horas.
Simultaneamente a estes preparativos a marinha enviou, de imediato, 180 navios de guerra para a zona do Caribe, a força aérea dispersou-se pelos vários aeroportos do país, para evitar a vulnerabilidade em caso de um ataque e os bombardeiros B-52, equipados com armas atômicas, permaneciam no ar em tempo integral (se um aterrizava para abastecer, outro já estava no ar), o sistema de mísseis foi colocado em estado de alerta máxima, o exército entrou em prontidão, tropas foram enviadas para a Flórida e a base de Guantâmano foi reforçada.
Finalmente, uma hora antes do pronunciamento de Kennedy, o embaixador da União Soviética, Anatoly Dobrynin, foi convidado para uma conferência com o secretário de Estado Dean Rusk, quando tomou conhecimento do iminente pronunciamento; naquela tarde, após almoçar com Jackie, como sempre fazia, Kennedy teve uma reunião com os membros do seu gabinete, quando lhes informou, pela primeira vez, sobre a crise e, depois, com os líderes do Congresso.
Conta Robert Kennedy (Thirteen days – Cuban missile crisis) que esta reunião foi muito difícil, pois, a maioria dos congressistas exigia uma linha mais dura, ataque militar, e que o Presidente estava fraquejando no dever de proteger a nação; Kennedy, após ouvi-los com paciência, explicou-lhes detalhes do seu plano e sua segurança a respeito dos resultados; se atacarmos, disse ele, os soviéticos poderão responder com mísseis atômicos e, então, milhões de americanos poderão ser mortos.
     Segundo Fred Coleman (The decline and the fall of the Soviet Empire - St Martin´s Griffin, N. York, 1996) o que Kennedy sabia, não poderia ser dito em público: “Um coronel russo de nome Oleg Penkovsky, pertencente ao serviço de inteligência soviética, havia sido recrutado pelos ingleses, tornando-se um dos mais importantes agentes na Rússia durante a guerra fria. Com uma câmara Minox ele captou mais de cinco mil fotos de documentos, incluindo ai, cópias do sistema de mísseis russos, descrevendo, inclusive, que haviam sido detectados defeitos no dispositivo de lançamento. Suas fotos permitiram, também, saber do detalhamento dos estágios da construção dos citados mísseis, com a identificação dos mesmos pelas fotos feitas pelos aviões espiões U2. Oleg foi descoberto pelo governo russo e fuzilado em maio de l963”.
Às sete horas da noite do dia 21 de outubro, segunda feira, Kennedy foi à televisão; estava calmo e confiante, como sempre esteve à frente das câmaras; a repercussão nos Estados Unidos e no resto do mundo abordaremos na próxima semana.

Mísseis em Cuba – a guerra nuclear foi evitada no último momento

Naquele dia, 22 de outubro de 1962, a população americana mantinha seu ritmo normal de vida; ninguém poderia, ao menos, sonhar o que seria dito pelo presidente Kennedy perante uma cadeia de televisão, especialmente convocada para este fim; às 19h00min em ponto, John Kennedy iniciou sua alocução; parecia calmo e, principalmente, confiante com a situação, estava no ambiente que ele dominava e que lhe valeu, inclusive, sua vitória nas eleições presidenciais de 1960, após o histórico debate que ele teve com Nixon, alguns dias antes das eleições.
Olhou para as câmeras, deram-lhe um “close” na face, depois tiraram o “zoom” e ele falou, pausadamente: “Boa noite meus concidadãos. Este governo, como prometeu, tem mantido uma estreita vigilância sobre as atividades militares soviéticas na ilha de Cuba. Durante a última semana tivemos evidências de que uma série de plataformas de mísseis está sendo instalada na Ilha; o propósito destas bases não é outro que não o de dar à União Soviética, capacidade logística nuclear contra o hemisfério ocidental. Após termos a confirmação destes fatos, estabelecemos nosso plano de ação e sentimo-nos na obrigação de informar-lhes todos os detalhes.”
Após fazer um retrospecto sobre a guerra fria, das démarches nas discussões com os russos e com os aliados, concluiu, dramaticamente: “O bloqueio naval que autorizei fazer ao redor de Cuba será apenas um passo; estamos preparados para, se for necessário, utilizar da força militar para atingir nossos propósitos: retirada dos mísseis de Cuba... Cidadãos americanos! Temos consciência que este é um momento de grande dificuldade, muitos meses de sacrifícios e paciência virão à frente para nos testar; nossa meta não é a vitória possível, mas sim, a reivindicação do direito; não é a paz à custa da liberdade, porém, paz e liberdade em nosso hemisfério e eu desejo, também, ao redor do mundo. Deus nos ajudará a conseguir esta meta.”   
Milhões de americanos não tiraram os olhos da televisão durante os 30 minutos do discurso de Kennedy; a reação no dia seguinte, não foi, como poderia ter sido, de pânico, porém, as famílias começaram a estocar alimentos e alguns outros utensílios; a imprensa escrita se encarregou de espalhar a notícia para o resto do mundo; no mesmo dia (telégrafo) Khruschev recebeu de Kennedy cópia do discurso, juntamente com um memorando que finalizava com as seguintes palavras: “Eu espero que seu governo irá evitar alguma ação que possa piorar a crise já instalada e que possa concordar em iniciar negociações para a paz.”
            Enquanto isto, os navios russos que já estavam a caminho de Cuba, continuavam navegando, alheios às informações de que haveria um bloqueio ao redor da Ilha e este era constituído por 25 “destroyers”, dois navios de cruzeiros, um antisubmarino de guerra além de vários outros navios e submarinos de suporte; na quarta feira, dia 24 de outubro, Kennedy recebeu mensagem de Khruschev em resposta a que ele havia lhe enviado na segunda feira.
            Carta redigida em termos muito pesados, repelindo, “como inaceitável o bloqueio imposto pelos americanos, informando que o governo soviético dará instruções para os capitães dos navios que rumam para Cuba, para que não aceitem o bloqueio e que os americanos serão os responsáveis pelos acontecimentos que advirão, se houver interceptação de algum barco soviético; infelizmente o povo americano poderá sofrer as consequências, uma vez que os Estados Unidos não são mais inacessíveis, após o advento dos modernos armamentos de que dispomos”.
            Era a chamada, em termos muito claros, para a confrontação militar no caso de haver interceptação de algum navio soviético; porém, no dia seguinte (25 de outubro) o porta voz do Pentágono anunciava que, pelo menos, doze navios soviéticos recuaram antes de chegarem ao ponto definido como “bloqueada a passagem, sem a prévia inspeção das cargas transportadas”, provavelmente devido à intermediação de U Thant, Secretário Geral das Nações Unidas, que solicitou aos dois chefes de estado que substituíssem a confrontação pela discussão.
            Khruschev tomou a iniciativa de, novamente, escrever a Kennedy; foi uma longa carta, enviada por “circuito de cabo” cuja transmissão durou cerca de seis horas; em resumo, ele aceitava a mediação de U Thant e propunha: “De nossa parte, declaro que nossos navios não mais levarão armamentos para Cuba e os Estados Unidos se comprometem a não invadir Cuba e não darão auxílio para que outros o façam (exilados); portanto, a presença dos especialistas militares soviéticos em Cuba não mais será necessária”.
            Estava perto do fim a pior crise havida entre os Estados Unidos e a União Soviética nos tempos da guerra fria; continuaremos na próxima semana.


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MÍSSEIS EM CUBA – A ESPERANÇA VENCEU O MEDO - FINAL

Foram dias de tormenta, o Conselho de Segurança Norte Americano permanecia em reunião em tempo integral; provavelmente, pois não temos estas informações, algum órgão semelhante a este, porém, do lado dos Soviéticos deveria, também, estar se reunindo e discutindo com a mesma aflição que percebemos ao ler, agora, a transcrição das discussões havidas no lado dos americanos (Thirteen days – Robert Kennedy; The Kennedy Tapes – E. May and P.Zelikow; The decline and fall of the Soviet Empire – Fred Coleman).
Como vimos em nosso ultimo relato, graças à intermediação da ONU, no último momento houve acordo entre a Rússia e Estados Unidos e os dois estados “beligerantes” resolveram discutir o assunto por meios diplomáticos.
Robert Kennedy convidou o embaixador Russo, Anatoly Dobrynin, para uma entrevista no Departamento de Justiça; discussão difícil e demorada;eram dois homens, sagazes e inteligentes, tentando convencer um ao outro. Dobrynin pergunta o que os Estados Unidos dariam em troca pela retirada dos mísseis de Cuba, insistindo que os mísseis da Turquia deveriam ser removidos; Robert, agora, mais incisivamente questiona, inicialmente, o fato de a carta que Khruschev enviou para o Presidente Kennedy ter sido transmitida e divulgada pela imprensa, antes do destinatário tomar conhecimento do texto, como deve acontecer nas relações diplomáticas, por outro lado, os EEUU não aceitam a discussão com esta premissa, uma vez que esta decisão só poderia ser tomada pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e que o tempo estava passando e os Estados Unidos precisava da resposta, por escrito, até no máximo no dia seguinte.
Robert, na sua volta à Casa Branca, faz um relato das discussões que manteve com o Russo; John Kennedy torna-se pessimista, embora esperançoso (palavras de Robert) ordena então que a força aérea se coloque em prontidão máxima para a invasão de Cuba nas próximas horas e as possíveis consequências que advirão deste ato.
No meio de toda esta expectativa e seguramente atormentado pela possibilidade de uma guerra catastrófica para a humanidade, na qual ele seria um dos atores desencadeantes, no dia seguinte (domingo pela manhã) àquele encontro, tão incomum na história da humanidade, Robert Kennedy, como ele conta em suas memórias, deveria cumprir a promessa feita à sua filha já há algum tempo: levá-la a um espetáculo de “salto de obstáculos com cavalos” e como não havia nada a ser feito a não ser esperar a resposta de Khruschev, foi cumprir a promessa. Considero este fato inacreditável e que demonstra, por outro lado, a prioridade familiar colocada à frente das preocupações pessoais.
Durante aquele  espetáculo, Robert recebeu telefonema do Secretário de Estado Dean Rusk, informando que o embaixador russo desejava falar-lhe; voltou imediatamente para o Departamento de Justiça e lá, recebeu a visita de Dobrynin, com mensagem de Khruschev que aceitava a retirada dos mísseis de Cuba, sob adequada inspeção e com a garantia de que Cuba não mais seria invadida . Após este encontro Robert voltou para a Casa Branca onde se encontrou com Kennedy; após ouvir os relatos, na despedida, o Presidente disse-lhe, repetindo o que dissera Abraham Lincoln “Esta é uma noite que eu gostaria de ir ao teatro”
Sei que estes acontecimentos estão situados, temporariamente falando, muito longe das preocupações do nosso dia-a-dia; nestes quase cinquenta anos, muitas coisas mudaram no mundo, a guerra fria não mais faz parte das preocupações dos governantes; a queda do muro de Berlim, que levou de arrastão todo o sonho do regime soviético e a globalização, sinalizam, nos dias de hoje, que as diferenças ideológicas não poderão mais ser resolvidas pela força das armas; a preocupação do momento, para mim, é outra; preocupa-me, sobremaneira, o fundamentalismo religioso.
Eu, que fui testemunha vivencial deste imbróglio, não consigo passar para meus circunstantes (meu neto, por exemplo) o quanto o mundo esteve à beira de uma catástrofe nuclear; aprendi com este episódio, e, com os anos de vida, que alguns homens são colocados, de acordo com as posições que ocupam na sociedade, em posições que os obrigam a tomar posições inacreditáveis, Kennedy e Khruschev como exemplos.
O que cada um destes dois personagens pudessem fazer teria que levar em consideração a posição do seu oponente e a do seu país, haveria o perigo de parecer humilhação; os passos dados por Kennedy são mais facilmente avaliáveis, por conhecermos toda a documentação que restou daqueles dias o que, infelizmente, não ocorre para o lado soviético, que não são divulgados.
            Alguns exemplos explicam mais que palavras: fazer o bloqueio ao invés do ataque; inspecionar, durante o bloqueio, primeiramente um navio não soviético; constantes questionamentos que ele fazia para si mesmo “Estou certo de que Khruschev entendeu quando falo em vital interesse nacional? Os Soviéticos tiveram suficiente tempo para pensar sobre os nossos passos?
Kennedy sabia, pelos encontros que tivera com Khruschev, que a Rússia, também, não queria a guerra e ele tentou deixar claro que neste episódio os EEUU tinham objetivos limitados, ou seja, proteger-se, e para conseguir estes objetivos, não poderia, também, afetar a segurança, e, tampouco, humilhar a União Soviética.
Confirmando o que dissemos acima, ouçamos o que disse John Kennedy em junho de 1963, durante um discurso em uma Universidade Americana: “Acima de tudo, enquanto defendia nosso próprio interesse, o poder nuclear nunca foi colocado na frente da confrontação, pois poderia dar ao adversário apenas duas escolhas: a derrota humilhante ou a guerra nuclear”.